sábado, 17 de abril de 2010

A parede branca

Depois de trinta anos, entro na casa onde vivi minha infância e juventude. Os mesmos móveis, o mesmo cheiro, as mesmas cores. As lembranças povoam minha memória. Vou até o quintal. Cadê o abacateiro? Cadê a ameixeira, cujos frutos, de tão doces e amarelos, deixávamos desmanchar em nossas bocas? Do alto de seus galhos fingíamos, meus irmãos e eu, estar percorrendo longínquos países, através de aviões imaginários de longo alcance. Corro para o meu antigo quarto de dormir, abro a janela e lá está: uma imensa parede branca. Cadê o Guaíba? Onde está o famoso pôr-do-sol de Porto Alegre? O mais bonito do Brasil. Aquele que Érico Veríssimo tanto apreciava e descrevia em seus livros. Onde está a paisagem que aprendi a amar, desde menina, da janela de meu quarto, na parte alta do bairro Petrópolis? Onde está o colorido que transportava meus sonhos? O verde das árvores, a dança das nuvens, misturando-se a um indescritível azul do céu - que jamais vi ou verei em outro lugar - onde ficaram? A ganância imobiliária, a modernidade, a competitividade levaram embora. Agora, quando abro a janela vejo só a parede branca do prédio construído ao lado de minha casa.
Não há mais olhares para um estuário um rio, ou um lago. Não há mais encantos. Somente uma tela, branca, destituída de histórias, sem paixão, sem afeto, sem lembranças. Ficou a cidade lá embaixo, com seu traçado marcado por uma absoluta impessoalidade, escondida, sem o sentido que só a memória vivida consegue contar.

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