quinta-feira, 29 de julho de 2010

Como dizia minha avó

Sempre que ouço alguém citar algum provérbio, lembro-me das alocuções de minha avó, mãe de meu pai. Ela conservava, em sua lucidez e perspicácia, uma coleção deles e, a cada situação, que ela presenciava, citava um de seus diletos, sempre devidamente apropriado à realidade retratada.

“Quem guarda sempre tem”, “Quem dá o que tem a pedir vem”, “Boi lerdo bebe água turva”, “Quem desdenha quer comprar”, ”O que é de gosto regala a vida.” “O apressado come cru”, “Quem ama o feio, bonito lhe parece”, “A mentira tem pernas curtas”, “Gato escaldado tem medo de água fria”, “A bom entendedor meia palavra basta”, “A noite é boa conselheira”, “Antes só do que mal acompanhado”, “Cada um sabe onde o sapato lhe aperta”, “O que é do homem o bicho não come”, “Quem diz o que quer, ouve o que não quer”, ou “Quem cala, consente” e assim por diante.

Ao fazer essas citações, por certo, sua intenção era fazer-nos pensar na mensagem oculta que queria transmitir. Criada em fazenda, no interior do Rio Grande do Sul, onde a maioria não passava das primeiras letras, dentro de uma cultura oral e machista, aprendeu a utilizar o provérbio como uma forma de persuasão, validando seus argumentos, frutos da combinação de seu imaginário com a realidade da campanha onde viveu. Por certo que sua cultura campeira passou a se contextualizar em ambiente urbano, quando aos vinte e poucos anos, foi viver na capital do estado.

Representando uma nova geração, meus irmãos e eu passamos a incorporar os provérbios em nosso dia a dia, não mais dentro de sua tradição, mas como meio de fazer validar as influências deixadas por ela, matriarca da família, quando precisava persuadir aqueles a quem gostaria de impressionar.

Muitas vezes, surpreendo-me repetindo-os também para os mais novos. Cada vez que os invoco, é como se minha avó estivesse perto de mim. Mal consigo disfarçar um sorriso de cumplicidade.

E isso me faz pensar que sua aparência altiva e talvez até soberba, ocultava uma mulher conhecedora dos questionamentos da alma. Até deixar esta vida, em 1972, aos 86 anos, minha avó conservava a elegância no andar. Nem a idade conseguiu curvá-la. Ela tinha profundos olhos azuis e a pele bem clara, quase sem rugas.

Era ela que também fazia balas de mel, delícias que marcaram a minha infância. Eram transparentes e macias. Mal podíamos esperar que elas ficassem prontas. Meus irmãos e eu ficávamos ansiosos à espera que esfriassem na bandeja para saboreá-las. Lembro-me o dia, que meu irmão mais novo, então com dois anos, entrou na cozinha e colocou a mãozinha no prato com o mel ainda quente. Teve queimadura feia. Por um tempo, nossa avó não fez mais as balas de mel. Sentiu-se culpada pelo acontecido. Somente tempos depois, por muito insistirmos, ela voltou a nos alegrar com as tão apreciadas “balinhas”...

Vó Alayde tinha um rádio no quarto. Todas as noites, após comer o seu mingau de aveia, ela se recolhia aos seus aposentos, deitava-se e ficava escutando as novelas do rádio. Eu sentava-me junto à sua cama e acompanhava com ela as histórias fascinantes de mocinhas e mocinhos das novelas. Uma delas era chamada “Violino Cigano”, que eu adorava. Minha imaginação ia longe com as estórias de amor dos moradores de uma tribo cigana.

Aos poucos, minha vó foi abandonando seus crochês, o hábito de escutar o seu rádio e a prática de fazer balinhas de mel.

Até então, quando eu a ajudava em alguma coisa, dizia-me, sem perder a sagacidade: ”Obrigada, minha filha, o que eu te devo teu namoradinho que te pague!”.

O convívio com minha avó e suas estórias e histórias deixou-me impressões que guardei ao longo de minha vida. Do enredo de “Violino Cigano” guardei o interesse pelas histórias de magia e de mistério, consulta às cartas advinhatórias, danças ciganas e tudo aquilo que representa as tradições ligadas ao inconsciente humano.

Querida vozinha, hoje entendo a sua personalidade calada. Mesmo em seu silêncio, falava através de suas atitudes, seus gestos e seu carinho especial a mim, ficando, para sempre, em minha memória, toda vez que um provérbio é lançado ao ar. “Como dizia minha avó...”

terça-feira, 6 de julho de 2010

Quero um gatinho para me fazer companhia

Nunca gostei muito de gatos. Apreciava mais os cães. Sempre convivi com cães em casa desde criança. Quando meus filhos pequenos quiseram ter um animalzinho de estimação, escolheram a Lucy, uma border colly super inteligente. Depois chegou a Déa, uma pastora alemã e, por último a Shana, outra pastora. Um dia, ao colocar o carro na garagem, eu não a vi sair e ela escapuliu para a rua. Procuramos por todos os cantos durante várias semanas, mas nunca mais a achamos. Deve ter encontrado novos donos.
Por alguns anos decidimos não ter animais em casa, até que, em um domingo de sol, uma amiga presenteou a família com um gatinho amarelo. É que, um dia eu havia dito de brincadeira: “Quero um gatinho para me fazer companhia”. E ela levou a sério. Felizmente. Ele era uma gracinha. Veio em uma cesta forrada com um colchãozinho macio. Até roupinha para dormir ele tinha. Nos conquistou à primeira vista. Até então, minha experiência com os felinos era zero. Consequentemente, Ronron e eu tivemos de ir aos poucos nos conhecendo.
Como já disse, nunca me interessei por gatos. A gente cresce cantando a antiga cantiga de roda “Atirei um pau no gato” e fica influenciada pela agressividade em relação aos animais da família dos felídeos. Que crueldade atirar um pau no gato e lamentar porque ele não morreu... E a dona Chica, coitada, que berrou tanto que o gato deu... miau. Também tem o desenho infantil, onde Tom está sempre perseguindo o rato Jerry que sempre o faz de bobo. Pobre gato, nunca consegue caçar o rato. Além disso, as bruxas das estórias infantis sempre aparecem acompanhadas de um gato preto. Mas em contrapartida, existem as estórias de gatos interessantes e inteligentes como, por exemplo, o Gato de Botas, o Gato Felix, o Garfield. Todas essas histórias me faziam ter certa desconfiança dos gatos e o meu interesse em conhecê-los melhor ficava somente no nível das estórias, fotos e canções.
Agora sei que no antigo Egito os gatos eram venerados e considerados sagrados. Bast, a deusa da fertilidade e da felicidade, considerada benfeitora e protetora do homem era representada na forma de uma mulher com a cabeça de um gato. Em outras civilizações, os gatos também eram venerados, a exemplo da Pérsia antiga, onde havia a crença de que quando o gato era maltratado, corria-se o risco de estar maltratando um espírito amigo e, ao fazer isso, o homem estaria atingindo a si mesmo.
Isso explica para mim porque os gatos são indecifráveis. Eles são autênticos, não precisam bajular ninguém. Eles se bastam. São independentes. Asseados.
Silenciosos até no andar. Elegantes. Misteriosos, porque em torno deles giram muitas histórias. Ronron não foge a regra, sabe o que quer e sabe impor sua vontade. Quando quer aconchego vem de mansinho, se aconchega e vai ficando, ronronando baixinho. Sabe perfeitamente respeitar o espaço daqueles com quem convive, mas exige também a reciprocidade. Realmente, é um grande companheiro. Por isso não me arrependo de ter um dia falado “quero um gatinho para me fazer companhia”.