segunda-feira, 21 de maio de 2012

Trapalhadas

Meu pai era um sujeito calado, introspectivo. Mas isso não o impedia de, em seus momentos mais descontraídos, ser uma pessoa bem humorada e perspicaz.. Apreciava uma boa leitura e incentivava os filhos a desenvolverem também esse hábito. Tomar chimarrão e ir ao estadio para assistir as partidas do Grêmio Futbool Porto-alegrense -  time pelo qual era torcedor fanático - eram os seus  hábitos preferidos e imprescindíveis. Gostava de estar com a família e com ela realizar pequenos  passeios  ou  viagens. Esses momentos eram muito esperados e apreciados por nós, seus filhos. Mas, muitas vezes,  essas ocasiões resultaram em momentos memoráveis.

No início dos anos sessenta era rara a família que possuía um automóvel.  As ruas não eram congestionadas e o trânsito não era  insuportável como hoje, porque poucos podiam ter acesso ao crediário e às facilidades de financiamento para aquisição de um veículo. Raramente se utilizava os serviços de um táxi. O meio de transporte coletivo mais usado era o bonde.

Mas após algumas economias, meu pai finalmente realizava o seu sonho de ingressar no seleto grupo de proprietários de um automóvel: um Hudson, verde, com bancos de couro, hidramático. Um carrão, para os padrões da época. Como ele tinha uma estatura baixa e era bem magrinho, quase sumia dentro do carro.

Em uma bela noite de verão, para experimentar a nova aquisição, reuniu toda a família, e depois de todos sentados em seus devidos lugares, saiu a passear pela cidade.Com janelas abertas, o vento batia em nosso rosto, enquanto, encantados, olhávamos as luzes da cidade. Quando já estávamos perto de casa, meu pai, no auge do seu contentamento, exclamou: "Que belo carro, como desliza!"

Foi ele terminar de dizer essas palavras, ouvimos um estrondo e o possante  parou. Saímos todos de dentro do carro, assustados, sem saber o que estava acontecendo. Tal foi a surpresa quando percebemos que  ele tinha subido em cima do canteiro central da avenida e os dois pneus do lado esquerdo estavam completamente arrebentados. Frustrados, voltamos para casa de bonde, com minha mãe, enquanto ele ficou esperando  o guincho chegar .

Em outra ocasião, estávamos indo para a praia, também no Hudson,  e, na estrada, minha mãe resolveu comprar melancia. Ao longo da estrada, como é ainda comum nos dias de hoje, havia muitas barraquinhas que vendiam frutas da época e produtos artesanais da região. Ao avistarmos uma barraquinha de melancia, meu pai parou o carro e descemos todos. Minha mãe escolheu uma melancia bem grande e apetitosa, meu pai pagou, entramos todos novamente no carro e nos preparamos para seguir viagem.

Meu pai manobrou o carro para retornar à estrada, deu uma ré e ouvimos um estrondo e uma gritaria. Descemos todos novamente e qual a nossa surpresa: o carro se chocara com a barraca, derrubando várias melancias que se esborracharam no chão. O homem urrava de raiva e exigia que meu pai  o ressarcisse do prejuízo. Meu pai ofereceu-lhe uma quantia que achava justa, mas o homem estava tão brabo que não atinava a entrar em um acordo.

Depois de muito tentar, meu pai desistiu e colocou o dinheiro em cima da banca e arrancou o carro, cantando os pneus. Já irritado com o impasse criado pelo comerciante "mandou-o à merda", enquanto o Hudson se distanciava e nós, olhando para trás, ainda víamos o homem das melancias blasfemar  e gesticular. Nós, crianças, ficamos apavoradas e levamos  o susto conosco por vários quilômetros, principalmente porque esse não era seu costume habitual.

Assim em muitas ocasiões aconteciam fatos pitorescos com nossa família e, hoje em dia, quando nos reunimos, costumamos comentar  essas proezas  do passado que nos trazem muita saudade dos bons momentos vividos.