domingo, 19 de agosto de 2012

Sem medo de ser feliz

"Contar é muito dificultoso, não pelos anos que já se passaram. Mas pela astúcia que têm certas coisas passadas - de fazer balancê, de se remexerem dos lugares"..." -  Guimarães Rosa

As   histórias de pessoas chamadas, pejorativamente, de avoadas, distraídas ou desligadas são, geralmente, engraçadas.  Eu que, na família, levo essa fama (será bullying?), acho que tenho todo o direito de rir  dos que assim também procedem.

Sobre esse assunto,  me chamou a atenção uma crônica que li, nesta semana, onde o autor  se incluía no "clube dos avoados" e contava vários casos que aconteceram com ele ou com  seus amigos. Ri muito quando ele conta que uma amiga chegou em uma festa, circulou por todo o ambiente, distribuiu beijos e abraços com bobs na franja. Só descobriu o "mico" quando passou, depois de algum tempo,  frente a um espelho.

Esse e outros fatos narrados pelo autor provocaram em mim boas risadas e  levaram-me de volta ao passado. Lembrei-me então, do dia em  que tudo isso começou em minha vida. Bem, assim penso eu.

Foi durante um passeio de carro com a família, por uma das tantas estradas do interior.  A paisagem, belíssima,  formada por verdes pastagens, saltava aos olhos, quando, em um determinado trecho, alguém gritou: "Olhem os carneirinhos!".  Meu pai diminuiu a velocidade do carro para que as crianças pudessem apreciar os belos animais que tranquilamente pastavam. Eu, no alto de meus seis ou sete anos, embriagada pelo vento, que acariciava meu rosto e levava meus pensamentos para mundos encantados, não manifestei externamente nenhuma reação. Passados alguns quilômetros - dizem - perguntei: "onde, os carneirinhos?".

Certa vez,  meu marido telefonou para meu emprego avisando-me que havia deixado o carro em frente ao prédio onde eu trabalhava para eu poder voltar para casa sem ter de pegar ônibus cheio. Contente com o gesto afetuoso e dedicado, agradeci. No final do expediente, como de costume, atravessei a rua e, passando pelo carro ("engraçado, este carro é bem parecido com o meu!"), dirigi-me ao ponto de ônibus. Ao chegar em casa, meu marido perguntou:"onde está o carro?". Respondi:"Que carro?"

Dizem que isso acontece com as pessoas que tem os pensamentos voltados para grandes projetos, mas esquece de carregar suas baterias para os detalhes cotidianos. Não é muita pretensão?

Minhas irmãs costumam rir muito das minhas distrações, mas também não fogem à regra.  Durante um dos verões que passava na praia, uma delas enfeitou-se toda para fazer sua caminhada habiltual. Andou por todas as ruas do balneário, olhou vitrines, encontrou pessoas conhecidas e, quando chegou em casa, deu-se conta de que havia saído com um tênis de cor e formato diferentes em cada pé. Nada como lançar moda!

A outra, em um passeio ao zoológico, ao ver dois cangurus fazendo a dança do acasalamento, exclamou surpresa em alto e bom som:" Que amor, como brincam esses bichinhos!" Não se espante, caro leitor. Ela já era adulta quando isso aconteceu!

Meu marido, que prima pelo bom senso, também já foi vítima, várias vezes, da síndrome do "desligamento". Certa vez, em uma viagem, vindo de Brasília, de carro, parou em Uberaba para almoçar. Ao retornar ao carro para seguir viagem, não conseguia ligá-lo de maneira nenhuma.  Chamou um mecânico, foram para a oficina, fizeram uma visoria completa e nada. Depois de muitas horas de tentativas, ele lembrou que, ao parar para o almoço, havia desligado o segredo que acioava o motor de partida.

Outro fato que nos mostra em que grau pode chegar a distração foi o ocorrido, certa vez, com  uma pessoa que trabalhava em nossa casa. Ela gostava muito de ouvir música em seu rádio portátil e fazia todo o trabalhalho levando o tal rádio por onde ía. Uma ocasião, ela estava  limpando o banheiro e, qual foi a minha surpresa, ao ver que ela sacudia frenéticamente o rádio dentro da privada, enquanto segurava firmemente o vidro de desinfetante  junto ao ouvido.

Cada vez que, sozinha ou junto a familiares, relembro e remexo  nesses casos divirto-me por demais. É tão bom quando exercitamos essa capacidade de rirmos de nós mesmos., sem pudor ou medo de chacotas. São situações que passam e  não deixam marcas dolorosas. Pelo contrário, quando as recordamos, provocam um balancê na alma.