domingo, 1 de janeiro de 2012

Uvas

Quando o narrador ,
com a voz úmida de emoção,
disse de um paraíso todo resplendor,
habitado por homens extraordinários,
varões magnificos e sedutoras huris alucinantes,
sereno respondi:
- Que delícia o sumo da uva!  

Omar Kaiame


No sábado, dia 31 de dezembro, fui à feira livre como de costume. Minha intensão era a  de comprar uvas, para enfeitar a mesa da ceia de Ano Novo. Não somente isso.  Pretendia também seguir a tradição ou a superstição de comer sete uvas e guardar as sementes na carteira, durante o ano todo, para ter abundância.

Percorri toda a feira, atrás de frutas maduras e de aspecto saboroso  e, é lógico, que apresentassem um preço convidativo. Surpresa: ao percorrer diversas bancas, constatei que os preços não variavam e estavam absurdamente altos. Não me contive. Na última parada, perguntei, irônica, ao feirante: "Estas uvas são cultivadas com fios de ouro"? Ele, um pouco constrangido, argumentou que, esse ano, os preços praticados pelos fornecedores haviam crescido 200% em relação aos do ano anterior. E ainda acrescentou que a mercadoria estava escassa, havia muita procura e que seu lucro é mínimo.

Saí dali um pouco triste e pensativa. Lembrei-me de minha infância e de juventude, quando toda a família e os amigos comíamos uvas à vontade, debaixo da parreira de nossa casa. Uvas brancas e rosadas, cujas sementes foram plantadas por minha avó.

Mesmo depois de adulta, casada e com filhos, sempre que voltava à casa, nas férias de verão, corria ao quintal para colher as uvas maduras e doces. O ritual era sempre o mesmo: delicadamente apanhava as uvas, enchia uma enorme bacia, lavava um a um os cachos e colocava-os em uma vasilha para serem saboreados por toda a família. Enquanto colhia, o coração transbordava de alegria e de reverência ao criador de todas as coisas.

Talvez as pessoas não entendam. Talvez me julguem sovina,"mão de porco" ou "pão-dura", por não ter concordado com os atuais preços praticados, tendo-me negado a comprar um cacho, que fosse, para os rituais de final do ano. Mas não consegui aceitar tal imposição de mercado.

Voltei para casa com outras frutas. Não segui o ritual, não comi uvas e nem guardei as sementes. Mas preparei, com o mesmo esmero, a ceia do Ano Novo. Partilhei instantes de paz e de harmonia em um jantar a dois. E convencida fiquei de que o que vale a pena são os momentos vividos. Uvas, minhas frutas preferidas, vou saboreá-las o ano todo, com certeza, sem de ter de pactuar com a exploração.

Feliz 2012!