sábado, 8 de outubro de 2011

Coqueiro Verde

Em frente ao coqueiro verde, esperei uma eternidade...”

Maiô verde, touca enfeitada com apliques de folhas, na cor verde limão,um óculos que encobria boa parte do rosto, no formato arredondado, em tons de verde e, para compor, um tamanco com salto anabela, altíssimo e... da cor verde. Sacola verde para carregar os apetrechos de praia. Era, assim, toda paramentada, que ela caminhava, devagar e sorridente, em direção ao mar carioca.

Em minha adolescência, minha irmã e eu, quando a avistávamos chegando próximo aos banhistas, íamos logo dizendo, entre risos: “Lá vem o coqueiro verde!”.

E essa é a imagem que permanece, até hoje, gravada em minha mente e que me vêm à lembrança todas as vezes que escuto a música “Coqueiro Verde”, de Erasmo Carlos. A cor verde representa a natureza, nos convida a nos conectarmos com os demais. E porque não associa-la àquele peculiar modo de ir à praia, nada discreto ou despercebido, escolhido por minha tia.

Minha tia afirmava que escolhera esta cor como preferida para combinar com o verde dos seus olhos. Depois, na meia idade, chamava atenção, por onde passava, por ser considerada, digamos, um tanto extravagante na maneira de se vestir. Ela sempre seguia o seu caminho de forma altiva, por se achar linda. Não se importava com a opinião alheia, quer fosse essa favorável ou jocosa.

O dinheiro que recebia de uma pensão, deixada por seu irmão militar, falecido aos 22 anos, era bem economizado e guardado, lhe possibilitando, de vez em quando, passar uma temporada no Rio de Janeiro, cidade que ela amava, principalmente por dividir o seu tempo entre a praia e as ruas de Copacabana.

Às vezes, eu e minha irmã, em nossas férias, íamos com ela. Ríamos muito durante a viagem de ônibus de vinte e tantas horas de Porto Alegre ao Rio. Ela levava galinha com farofa e, nós, adolescentes, morríamos de vergonha de comer no ônibus. Mas quando a fome batia, esquecíamos as inibições e caíamos na comilança e na gargalhada.

Pele clara, grandes olhos arredondados, era tremendamente vaidosa. Os de sua geração sempre enalteceram a sua beleza e contavam que, quando ela passava pelas ruas nunca deixava de atrair a atenção dos transeuntes.

Quando jovem, teve uma desilusão muito forte com um namorado do qual era muito apaixonada e nunca mais quis saber de relacionamentos amorosos. Optou por não casar. Sempre morou com os irmãos e sobrinhos. “Conhecimento eu tenho, o que me falta é prática”, dizia sorridente.

Mas nem sempre as relações eram amistosas, porque, ao receber de sua mãe, minha avó, muito mimo, exibia, em conseqüência, uma certa soberba e tornava-se, às vezes, meio inconveniente. Isso causava atritos.

Gostava muito de cozinhar. Preparava saborosos pratos e, sempre, ao colocá-los à mesa, dizia como uma sentença habitual ou rotineira: “A mamãe me ensinou”. Sua especialidade era a salada de maionese, preparada aos domingos para acompanhar o tradicional churrasco. Para adornar, salpicava o prato com salsinha picada, para dar um toque ...verde.

Sempre foi alegre e conversadeira, falava bem alto. Os mais velhos também contavam que, quando jovem, ela cantava no coral da igreja. No casamento de meus pais, cantou a Ave Maria, enaltecida por sua bela voz, conforme relataram os presentes.

Tinha uma saúde de ferro, apesar de fumar muito. Nunca consultava médicos. Dizia que se fosse ao médico, ele iria inventar alguma doença. Tratava gripe, dor de garganta, febre, verruga, calo, dor de cabeça e o que mais aparecesse, com Melhoral e Vickvaporub.

Uma vez, já com uma certa idade, quando estava indo à padaria, foi assaltada na rua perto de casa. O ladrão jogou-a no chão, mas não conseguiu roubar sua corrente e o medalhão de ouro que trazia no pescoço. Ela segurara com firmeza a jóia nas mãos e gritara tanto que o larápio saiu correndo.

Aos noventa anos caiu ao levantar da cama e fraturou o fêmur. Acredito que a osteoporose estava tomando conta. Depois disso, nunca mais se recuperou, foi enfraquecendo até falecer, em 1998, aos 92 anos.

Essa controvertida figura humana deixou, entre nós, incontáveis histórias que fatalmente poderiam alimentar inúmeras crônicas. Mas, para aqueles que, como eu, presenciaram os inusitados banhos de mar, o que fica é a certeza de que a moda, assim como a política, a religião, a estética ou o futebol, não consegue fazer todos rezarem pela mesma cartilha. Sempre haverá alguém que seguirá por caminhos alternativos, como no caso de minha tia, que criou o seu próprio estilo, que lembra um coqueiro verde, ou melhor, fazer a sua opção pelo tom verde limão, para afrontar o branco das areias ou o azul da cor do mar de Copacabana.