quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

As cores da terra


Somos a mestiçagem de um deus que quis mostrar ao universo a nossa cor tisnada,
resistimos à voragem do tempo,
aos apelos do nada...
Olinda Beja, São Tomé e Príncipe, 1946.

Certo dia, cheguei na aula de pintura sem saber o que ia pintar. Conversei com um e com outro procurando saber as novidades da semana. Coloquei meu material sobre a mesa. Bebi um pouco de água,apreciei os trabalhos das colegas. Saboriei um cafezinho quente. Enrolei mais um pouco.

 Parei, quieta, apreciando a bela paisagem do Canal de Camburi, o vai e vem manso das ondas, o azul do céu ,o vôo inquieto dos pássaros que mergulhavam de vez em quando para pescar algo nas águas. E a inspiração teimava em permanecer adormecida. 

Deixei-me prostrar ali, desanimada, quando minha professora veio com uma tela na mão. "Por que não pintas este desenho?" Olhei para o trabalho que alguém já havia iniciado e não senti muito entusiasmo. Queria fazer alguma coisa  minha desde o início. Algo que brotasse de dentro de meu ser. Mas ela insistia para que eu criasse algo em continuação ao que já estava delineado.

Depois de alguns minutos de dúvida, pensei: "por que não?" Afinal, depois de observar mais atentamente a tela, me chamou a atenção o movimento da moça que parecia dançar, equilibrando o vaso de barro no ombro. Por um instante, veio-me à mente um poema de Tagore: "Ó bem amada, toma em tuas mãos a taça e a ânfora e vai passear pelo jardim, espairecer à beira do rio! Previno-te, deves apressar-te. Vai, caminha, corre! Muita vez, de belos corpos de mulheres amadas se fizeram taças. E potes de barro também..."

Foi o que bastou. Decidida, peguei a tela, sentei-me no lugar de costume e ... mãos à obra.Usei as cores do barro, as cores fortes que representam as heranças das mulheres africanas que, resistindo à voragem do tempo, ajudaram a formar nosso país.

Depois disso a tela ficou pronta  sem grandes esfoços. E hoje enfeita a sala de minha casa. É uma das que mais aprecio.