sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Reencontros

Qual a contribuição da família na construção social brasileira? A discussão é ampla e interminável. Mas uma coisa tenho certeza: a família como a conhecemos está mudando. Constituída desde os tempos da ocupação do território brasileiro, ela tem suas principais raízes na sociedade patriarcal rural.

À medida que ocorreu o processo de migração campo-cidade, em meados do século XIX, prolongando-se pelo período de um século, ela assume novos ares e, mais recentemente, com o fenômeno da metropolização, a composição familiar diminuiu drasticamente, através de células onde os indivíduos não mantém mais o vínculo genealógico com seus ascendentes. É o chamado fenômeno da impessoalização.

Avós, pais, filhos, netos, tios, primos perdem seus vínculos. Agora é o filho que cresce e migra, os pais que se separam, a violência que atinge principalmente os integrantes masculinos, as mulheres que passam a ser arrimos de famílias. Crianças de pais diferentes e mesma mãe, ou vice-versa, são criados na mesma casa, porém sem os mesmos vínculos afetivos.

Sinais dos tempos, que afastam da memória tempos imemoriais onde natais, aniversários e casamentos reuniam indivíduos de mesma consangüinidade. E hoje me pergunto: qual a importância dos primos em nossas vidas?

A antiga família de muitos irmãos e primos nos dava a certeza da segurança e o embasamento afetivo balizador para criarmos bons referenciais capazes de nos levar a nos tornarmos adultos conscientes e equilibrados.

E hoje, que significado tem os primos na vida dos contemporâneos? Para isso convido você a entrar em qualquer site de busca e digitar a palavra “primas” para se surpreender com a conotação pejorativa que essa palavra assume.

Assim, nem tanto à la Gilberto Freyre, de “Casa Grande & Senzala”, nem mesmo Nelson Rodrigues, inspirado naquele autor, nem mesmo o simbolismo degenerado que aparece pelo menos em parte das redes sociais, possuo um sentido verdadeiro para o tema, fruto de minhas sadias relações familiares.

Minhas recordações me levam à segurança do contexto onde nasci, desenvolvi minhas primeiras impressões e transcendi os limites da adolescência para uma vida adulta feliz e bem constituída.

Há trinta e seis anos não via a minha prima Denise. Nas férias deste janeiro, resolvemos meu marido e eu visitar a minha tia Nilda, rever minha prima e seu esposo e conhecer os filhos do casal. A sensação que eu tive, ao encontrar minha prima foi a de que apesar da distância física imposta por muitos anos, o afeto não se perdeu. O mesmo carinho, a mesma cumplicidade, a mesma mania de bater longos papos e dar risadas sem saber nem o motivo.

Parece que o tempo não passou!” afirmávamos surpresas, enquanto tentávamos colocar em dia todos os aspectos vivenciados nesses anos em que não nos vimos. É claro que já não somos as mesmas. Amadurecemos. Crescemos. Sofremos. Lutamos. Amamos. Perdemos. Achamos. Ganhamos. Choramos. Rimos. Enfim, vivemos. Resgatamos os laços e estabelecemos novas referências, com a promessa de nos vermos mais frequentemente.

Janeiro foi o mês dos encontros familiares. Inspirada por essa experiência tão gratificante, seguimos viagem. Mais ao Sul do Brasil encontramos outras primas (Ione, Iza, Lu, Tereza, Celina, Elisa, Denise, Raquel, Isadora, Zilá e Lourdes). Passei com elas tardes agradáveis para não perder a regularidade de convívio cada vez que volto à terra onde nasci. Apesar dos anos passados e cada uma ter seguido a sua vida, os reencontros são regados com a mesma alegria e temperados com recordações.

E assim vou reabastecendo as minhas energias. A cada uma de minhas primas agradeço os momentos de atenção, de carinho, de cumplicidade. Cada uma, com sua maneira de ser, de saber driblar as vicissitudes da vida, de contar suas histórias, contribuiu para que eu voltasse para casa mais fortalecida.

Li certa vez um texto atribuído à Madre Tereza de Calcutá: “Às vezes, pensamos que a pobreza é apenas fome, nudez e desabrigo. A pobreza de não ser desejado, não ser amado, e não ser cuidado é a maior pobreza. É preciso começar em nossos lares o remédio para esse tipo de pobreza... A mais terrível pobreza é a solidão e o sentimento de não ser amado”.

Mesmo com as novas formas de constituição familiar que hoje obedecem a novos paradigmas, acredito que o objetivo de uma família continua sendo o mesmo: a construção dos afetos,a formação da identidade de um indivíduo e a sua socialização a partir de seu núcleo de formação.

Graças aos parentes, nossa família tem história, caso contrário poderíamos nos tornar uns deserdados. Soltos no ar, sozinhos. Quando em uma família existe uma cultura familiar própria, quer dizer, uma série de valores e crenças vividos realmente, a convivência entre os primos se solidifica, os laços se formam. A unidade da família se potencializa e nós, junto a nossos primos, nos vemos parte de um universo comum, talvez mais humano.

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